“Existe racismo no Brasil. Sou a favor das cotas como política pública, que pode ser mudada e aperfeiçoada. É preciso construir um Brasil em que a elite tenha a cara do país”

Míriam Leitão.

Confira o áudio aqui.

 

É preciso “compreender a importância do dado raça/etnia e que não se busca o dado “cor” por uma questão de racismo, mas porque se percebe que ele faz diferença na maneira como são tratados os segmentos. Uma campanha para envolver, engajar as pessoas, debater. Com certeza vão emergir muitas questões com os dados coletados e se a sociedade civil participar de todo o processo será possível debater políticas públicas a partir deles. Ainda há muito tempo até 2010 e a batalha não pode parar, a gente tem que ficar pressionando, tem que colocar o assunto em relevo, não deixá-lo silenciar”.

“Se eu sou negra, quero poder falar sobre mim mesma como negra”

Entrevista muito boa com diretora executiva do Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades (CEERT), Maria Aparecida Silva Bento. Matéria completa aqui.

Embora o Governo Federal tenha ampliado os investimentos nas políticas públicas para os quilombolas, o dia-a-dia destas comunidades ainda é de carências e inseguranças. Há os que são obrigados a caminhar longas distâncias, por estradas improvisadas, até a sede dos municípios para reivindicar seus direitos. Por estes mesmos caminhos, tem gente que precisa de socorro médico e morre antes de chegar ao hospital. Em outras comunidades, o dinheiro do Governo Federal foi repassado para a Prefeitura, mas a obra não saiu do papel. Há ainda os que se deixam enganar por representantes de organizações não governamentais que prometem ajuda na elaboração de projetos, mas acabam desviando o dinheiro em beneficio próprio.

Os relatos dos cerca de 80 quilombolas participantes da II Plenária Nacional de Comunidades Tradicionais, que aconteceu no último final de semana, em Brasília, foi um retrato dos desafios que precisam ser enfrentados para reparar a dívida histórica com os descendentes de africanos escravizados no Brasil.

Lançado pelo presidente Lula em 2004, o Programa Brasil Quilombola (PBQ) teve a destinação inicial de aproximadamente R$ 7 milhões. No ano passado o volume de recursos alcançou R$ 251,5 milhões. A previsão é chegar a R$ 2 bilhões até 2011. O Programa está inserido na Agenda Social Quilombola, uma articulação da SEPPIR com 14 ministérios e órgãos federais, que prevê a regularização fundiária, eletrificação, incentivo ao desenvolvimento local além de ações de saúde e educação.

Os números foram apresentados pela gerente de projetos da Subsecretaria de Políticas para Comunidades Tradicionais (SubCom) da SEPPIR, Bárbara Oliveira. Ela explicou que a maior parte do dinheiro é utilizado pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) – principalmente nas indenizações – e que as demais ações são de responsabilidade dos gestores públicos locais. Na avaliação de Bárbara, para que haja plena execução do orçamento é necessária a mobilização social. “Temos que sensibilizar os gestores, os prefeitos, os governadores, para que possamos visualizar o Programa Brasil Quilombola chegando na ponta”, disse. Nesta direção, uma iniciativa importante é a criação dos Comitês da Agenda Social Quilombola, que estão presentes por enquanto em 9 estados.

Jhonny Martins, coordenador do Conselho Nacional Quilombola (CONAQ) e integrante do Conselho Nacional de Promoção da Igualdade Racial (CNPIR), reconhece que houve avanços: “A coisa mudou. Existem comunidades com luz, com internet, que recebem cestas básicas. Mas outras não têm nem posto de saúde para fazer o trabalho das parteiras”.

Uma outra dificuldade apontada para o sucesso das políticas públicas voltadas aos remanescentes de quilombos é a falta de dados precisos sobre este universo. “Não temos um censo quilombola para conhecer com precisão as demandas destas comunidades. O governo identificou 3.524 comunidades, mas os movimentos sociais estimam este número em 5 mil”, explica Bárbara.

Terra – A posse dos territórios ancestralmente ocupados foi a questão mais contundente discutida no Painel Quilombola. Givânia Maria da Silva, coordenadora nacional de regularização de territórios quilombolas do INCRA, apresentou um balanço dos 831 processos abertos em todo o país, sendo 84 na região Norte; 364 no Nordeste; 106 no Centro-Oeste; 179 no Sudeste e 63 no Sul. O INCRA é responsável por todo o processo de regularização, da elaboração de relatórios ao pagamento das indenizações a terceiros. Dados do PBQ mostram que, entre 1995 e maio de 2009, apenas 106 títulos foram emitidos.

De acordo com Luciana Gonçalves, que fez exposição representando o Departamento de Proteção da Cultura Afro-Brasileira (DPA) da Fundação Cultural Palmares, até maio deste ano foram certificadas 1.342 comunidades quilombolas. A certidão de autorreconhecimento, emitida pela Fundação, é o primeiro passo para que seja garantido o direito à terra, conforme estabelece o decreto nº 4487. É a partir da certificação que o INCRA dá início ao processo de titulação.

Uma preocupação manifestada pela maioria das lideranças que participaram da Plenária é a pressão exercida pelo poder econômico, seja pela mídia, pelas grandes empresas, por latifundiários, grileiros ou invasores.

“Temos que derrubar a ADIN”, disse Jhonny, em relação à Ação Direta de Inconstitucionalidade na qual o partido Democratas questiona o Decreto nº 4.887. Aguardando julgamento do Supremo Tribunal Federal, o decreto é considerado um marco legal, ao regulamentar o procedimento para identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação das terras ocupadas por remanescentes das comunidades dos quilombos. E mais: o decreto é uma referência para a luta quilombola no Brasil, por dar cumprimento à Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho, um pacto mundial pelo respeito aos povos cujas condições sociais, culturais e econômicas os distingam de outros e com tradições sociais, culturais e econômicas específicas em relação ao restante da coletividade nacional.
Após dois dias de intensos debates, cerca de 80 propostas foram aprovadas pelo painel Quilombola da II Plenária, como o apoio à aprovação do Estatuto da Igualdade Racial que tramita no Congresso Nacional e a criação de uma rede de informação para monitorar a aplicação de recursos.

A área de Educação foi a que agregou maior número de sugestões, como a reserva de cotas para quilombolas nos concursos públicos para professores, formação continuada para os profissionais de educação, oferta de ensino de 5ª a 8ª série e de cursos para jovens e adultos nas comunidades, maior fiscalização dos recursos destinados à merenda escolar e transporte com segurança para os alunos. O eixo Saúde também concentrou grande parte dos esforços, com destaque para a incorporação dos saberes populares no tratamento das doenças, além da construção e manutenção de postos e clínicas médicas. No eixo Terra, foi proposta a definição de prazo para titulação das terras. E a reivindicação de que o INCRA divulgue informações referentes aos processos de regularização fundiária, além da agilizar a instrução dos processos. O eixo Trabalho, também reuniu grande número de sugestões como cursos de capacitação para a elaboração e gestão de projetos, incentivos à economia local incorporando a cultura quilombola como fator de geração de renda, fiscalização dos recursos destinados às ONGs para implementação de ações nas comunidades. No eixo Segurança, surgiu a proposta de implementar programas de prevenção à violência entre os jovens.

A Plenária foi concluída com a eleição de 70 delegados, com base na proporção de comunidades certificadas em cada estado. A eles caberá a tarefa de aprofundar as discussões na II CONAPIR. Dona Miúda, símbolo da resistência em Linharinhos, no norte do Espírito Santo, não freqüentou faculdade. Mas demonstrou toda sua sabedoria ao afirmar que não vai recuar em sua luta. “Estão processando muitas pessoas. Dizem que não somos quilombolas. Temos os nossos direitos e não vamos ficar com medo”, disse.
Comunicação Social da SEPPIR/ PR

Fonte: http://www.conapir2009.com.br/noticias.php?noticia=64

O relatório de 2008 do Programa Brasil Quilombola, da Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir), divulga que Programa Bolsa Família alcançou 18.973 famílias quilombolas. Já o total de famílias  quilombolas incluídas na base nacional do Cadastro Único para Programas Sociais (CadÚnico) é de 25.312. As referências datam de novembro e outubro, respectivamente.

Ainda de acordo com o relatório, o total de orçamento destinado às famílias no programa é de R$ 18,6 milhões.

Apesar do avanço de um direito público — o Bolsa Família, por meio da transferencia de renda condicionada, garante o acesso à educação e saúde, além da alimentação –, as comunidades quilombolas ainda têm muito o que conquistar. Unidos, ainda precisam reivindicar por um direito que, na maioria das vezes, foi herdado: à terra.

É por meio da terra que as comunidades, em costumes herdados, podem se organizar socialmente e não perder a característica cultural dos antepassados. Mais que isso: retiram da terra a subexistência, por meio da agricultura. Levantamento da Fundação Cultural Palmares, do Ministério da Cultura, aponta que há no país 3.524 comunidades quilombolas. Dessas, só 1.170 são certificadas — o que lhes permite apresentar-se ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) para reconhecimento, demarcação e titulação das terras que reivindicam.

A grande polêmica que envolve essas comunidades é a questão latifundiária: extensas propriedades rurais onde existe uma grande proporção de terras cultivadas ou não e exploradas com mão-de-obra de baixo custo. E parece que é só em torno dessa polêmica que a grande mídia foca os trabalhos.

É difícil, e quase impossível, ter acesso — por meio dos formadores de opinião — de como esse povo vive com diferentes crenças, culturas e educação, sempre herdados dos negros escravos, há mais de 120 anos após a abolição.

Bom, apesar do Programa Brasil Quilombola já ter quase 5 anos  (criado em 2004), ainda há muito que lutar: é preciso respeitar as diferenças. O relatório do Brasil Quilombola pode ser conferido na página eletrônica da Seppir.